quarta-feira, 26 de abril de 2017

Entenda as principais mudanças propostas pela reforma trabalhista





BRASÍLIA - A Comissão Especial da Câmara que analisa a reforma trabalhista aprovou nesta terça-feira, 25, por 27 votos a 10, o texto-base da proposta. Para acelerar a aprovação do projeto de lei no plenário da Casa, o governo tentará negociar mudanças, além das que já foram feitas para dar celeridade à tramitação. 

O projeto de lei traz modificações em 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Entre eles, a prevalência do chamado "acordado sobre legislado". O texto do relator diz que:
"A convenção ou o acordo coletivo de trabalho tem força de lei e prevalecerá sobre as disposições legais". Isso significa que os acordos coletivos terão mais força que a própria lei. 
Exceções aos acordos: direitos constitucionais, normas de saúde e segurança do trabalho e direitos previstos em normas internacionais.

Veja as principais mudanças na CLT propostas pela reforma trabalhista:

FÉRIAS
Período de férias poderá ser determinado pelo empregador, devendo avisar com mínimo 60 dias de antecedência. Parcelamento dos 30 dias de férias em até três vezes com pagamento proporcional, sendo que um período deverá ser de pelo menos duas semanas ininterruptas. Quem tiver filho com deficiência, terá direito a fazer coincidir as suas férias com as escolares

ALMOÇO
Intervalo de almoço poderá ser de apenas 30 minutos; hoje é de uma hora

JORNADA
Possibilidade de pactuar jornadas de trabalho diferentes de 8 horas por dia, desde que respeite limites de 12 horas em um dia, 44 horas por semana (ou 48 horas, contabilizando horas extras) e 220 horas mensais



GRAVIDEZ
Mulheres demitidas têm até 30 dias para informar a empresa da gravidez

TRANSPORTE
Fim da obrigatoriedade do pagamento pelas empresas das chamadas horas “in itinere”, hora extra computada nos casos em que o empregado se desloca utilizando transporte da empresa. A jornada de trabalho começa a contar quando o empregado chega ao posto de trabalho e não mais ao local de trabalho

TRABALHO ALTERNADO
Regulariza a jornada de 12 horas de trabalho alternadas por 36 horas de descanso já adotada atualmente por algumas categorias

HORAS EXTRAS
Estabelece o limite de duas horas extras diárias, mas diz que essas regras poderão ser fixadas por “acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”. A remuneração da hora extra deverá ser 50% superior à da hora normal – hoje é 20%

TRABALHO INTERMITENTE
Regulamenta o chamado trabalho intermitente, que permite a contratação de funcionários sem horário fixo de trabalho e com pagamento feito com base nas horas de serviço. Atendendo a apelo do Sindicato Nacional dos Aeronautas, relator proibiu a contratação de profissionais que são disciplinadas por legislação específica com esse tipo de contrato.

HOME OFFICE
Regulamenta o teletrabalho, conhecido como home office. Responsabilidade sobre fornecimento ou compra, manutenção de equipamentos e infraestrutura será prevista em contrato

CONTRIBUIÇÃO SINDICAL
Fim da obrigatoriedade da contribuição sindical; o pagamento será facultativo

TERCEIRIZAÇÃO
Salvaguardas ao projeto de terceirização, como restringir que empresas demitam seus funcionários e os recontratem na sequência como terceirizados. A proibição valerá por 18 meses

COTA PARA DEFICIENTES
Relator tirou ontem do texto o artigo que previa que, no momento do cálculo para cota de deficientes em empresas, fossem excluídas as vagas que fossem incompatíveis com pessoas nessa situação

LOCAIS INSALUBRES
Texto original restringia obrigatoriamente que gestantes trabalhassem em ambientes insalubres. Nova versão prevê que será necessária apresentação de atestado médico comprovando que o ambiente não oferece risco à gestante ou à lactante.

REMUNERAÇÃO
Acordos coletivos entre patrão e empregados poderão criar remuneração por produtividade, prêmios de incentivo e participação nos lucros ou resultados.

Fonte: http://economia.estadao.com.br

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Políticos corruptos não temem a Justiça, diz Eliana




Por
FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO
16/04/2017 02h00

A seguir, a íntegra da entrevista concedida pela ex-corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, concedida por telefone ao editor deste Blog. Os principais trechos foram publicados na Folha deste domingo (16).
***
“A Lava Jato pegará o Poder Judiciário num segundo momento. O Judiciário está sendo preservado, como estratégia para não enfraquecer a investigação.”
A previsão é de Eliana Calmon, ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça, ex-corregedora nacional de Justiça. “Muita coisa virá à tona”, diz.
Ela foi alvo de duras críticas ao afirmar, em 2011, que havia bandidos escondidos atrás da toga. “Do tempo em que eu fui corregedora para cá, as coisas não melhoraram”, diz.
Para a ministra, alegar que a Lava Jato criminaliza os partidos e a atividade política é uma forma de inibir as investigações. “Os políticos corruptos nunca temeram a Justiça e o Ministério Público. O que eles temem é a opinião pública e a mídia”, afirma.
A entrevista foi concedida por telefone, nesta quinta-feira (13).
*

Folha – Como a senhora avalia a lista dos investigados a partir das delações?
Eliana Calmon – Eu não fiquei surpresa. Pelo que já estava sendo divulgado, praticamente todos os grandes políticos estariam envolvidos, em razão do sistema político brasileiro que está apodrecido.

Algum nome incluído na lista a surpreendeu?
José Serra (senador do PSDB-SP) e Aloysio Nunes Ferreira (senador licenciado, ministro das Relações Exteriores, também do PSDB-SP).

A Lava Jato poderá alcançar membros do Poder Judiciário?
No meu entendimento, a Lava Jato tomou uma posição política. É minha opinião pessoal. Ou seja, pegou o Executivo, o Legislativo e o poder econômico, preservando o Judiciário, para não enfraquecer esse Poder. Entendo que a Lava Jato pegará o Judiciário, mas só numa fase posterior, porque muita coisa virá à tona. Inclusive, essa falta tem levado a muita corrupção mesmo. Tem muita coisa no meio do caminho. Mas por uma questão estratégica, vão deixar para depois.

Como a senhora avalia essa estratégia?
Acho que está correta. Do tempo em que eu fui corregedora para cá, as coisas não melhoraram. Há aquela ideia de que não se deve punir o Poder Judiciário. Nas entrevistas, Noronha [o atual corregedor nacional, ministro João Otávio de Noronha] está mais preocupado em blindar os juízes. Ele diz que é preciso dar mais autoridade aos juízes, para que se sintam mais seguros. Caminha no sentido bem diferente do que caminharam os demais corregedores.

Como a Lava Jato impacta o Judiciário? O que deve ser aperfeiçoado?
Tudo (risos). Nós temos a legislação mais moderna para punir a corrupção. O Brasil foi obrigado a aprovar algumas leis por exigência internacional em razão do combate ao terrorismo. Essas leis foram aprovadas pelo Congresso Nacional, tão apodrecido, porque eles entendiam que elas não iam “pegar” aqueles que têm bons advogados, que têm foro especial. Foram aprovadas também porque precisavam dar uma satisfação à sociedade depois das manifestações populares em junho de 2013.

Os tribunais superiores têm condições de instaurar e concluir todos esses inquéritos?
O STJ vem se preocupando admitir juízes instrutores que possam desenvolver mais rapidamente os processos. Embora a legislação seja conivente com a impunidade, é possível o Poder Judiciário punir a corrupção com vontade política. É difícil, porque tudo depende de colegiado. Muitas vezes alguém pede vista e “perde de vista”, não devolve o processo. Precisamos mudar a legislação e tornar menos burocrática a tramitação dos processos. Hoje, o Judiciário está convicto de que precisa funcionar para punir. Essa foi a grande contribuição que o juiz Sergio Moro deu para o Brasil. Eu acredito que as coisas vão funcionar melhor, mas ainda com grande dificuldade.

Como deverá ser a atuação do Judiciário nos Estados com os acusados sem foro especial?
Hoje, o Judiciário mudou inteiramente. Todo mundo quer acompanhar o sucesso de Sergio Moro. Os ventos começam a soprar do outro lado. Antigamente, o juiz que fosse austero, que quisesse punir, fazer valer a legislação era considerado um radical, um justiceiro, como se diz. Agora, não. Quem não age dessa forma está fora da moda. Está na moda juiz aplicar a lei com severidade.

Como o STF deverá conduzir o julgamento dos réus da Lava Jato?
Eles vão ter que mudar para haver a aceleração. Acho um absurdo o ministro Edson Fachin, com esse trabalho imenso nessas investigações da Lava Jato, ter a distribuição de processos igual à de todos os demais ministros. Isso precisa mudar.

Como avalia o desempenho da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia?
O presidente de um tribunal como o Supremo tem um papel relevantíssimo. Costumo dizer que o grande protagonista do mensalão não foi apenas o ministro Joaquim Barbosa. Foi Ayres Britto. Na presidência, ele colocou os processos em pauta. Conduziu as sessões, interceptou as intervenções procrastinatórias dos advogados. Ele era muito suave, fazia de forma quase imperceptível. A ministra Cármen Lúcia demonstra grande vontade de realizar esse trabalho. Mas vai precisar de muito jogo de cintura, da aceitação dos colegas. O colegiado é muito complicado, muito ensimesmado. Os ministros são muito poderosos. Há muita vaidade
.
Há a possibilidade de injustiças na divulgação da lista?
Sem dúvida alguma. Todas as vezes que você abre para o público essas delações, algumas injustiças surgem. Essas injustiças pessoais, que podem acontecer ocasionalmente, não são capazes de justificar manter em sigilo toda essa plêiade de pessoas que cometeram irregularidades. Mesmo havendo algumas injustiças, a abertura do sigilo é a melhor forma de chegarmos à verdade dos fatos.

Há risco de um “acordão” para sobrevivência política dos investigados?
Vejo essa possibilidade, sim, pelo número de pessoas envolvidas e pela dificuldade de punição de todas elas. O Congresso Nacional já está tomando as providências para que não haja a punição deles próprios. Eles estão com a faca e o queijo na mão. É óbvio que haverá uma solução política para livrá-los, pelo menos, do pior.

Como vê a crítica de que a lista criminaliza os partidos e a atividade política?
É uma forma de inibir a atividade do Ministério Público e da Justiça. Os políticos corruptos nunca temeram a Justiça. O que eles temem é a opinião pública e a mídia. Eles temem vir à tona tudo aquilo que praticavam. O MP e a Justiça são tão burocratizados que se consegue mais rápido uma punição denunciando, tornando público aquilo que eles pretendem manter na penumbra.

A Lava Jato demorou para alcançar o PSDB, dando a impressão de que os tucanos foram poupados e o alvo principal seria o ex-presidente Lula.
Eles começaram pelo que estava mais presente, em exposição, num volume maior. Toda essa sujeira, essa promiscuidade não foi invenção nem de Lula nem do PT. Já existe há muitos e muitos anos. Só que se fazia com mais discrição, ficava na penumbra. Isso veio à tona a partir do mensalão, e agora com o petrolão. Na medida em que foram ampliando essa investigação vieram os outros partidos. Estavam todos coniventes, no mesmo barco. Aliás, o PT só chegou a fazer o que fez porque teve o beneplácito do PSDB e do PMDB.

A lista pode acelerar a aprovação da lei de abuso de autoridade?
Eu acredito que sim. A instauração dessas investigações era necessária para depurar o sistema. A solução não será a que nós poderíamos esperar, a investigação e depois a punição. Acredito que haverá um “acordão”.

Como a nova lei de abuso pode afetar o Ministério Público e o Judiciário?
Haverá uma inibição natural para a atuação do Ministério Público e da própria Justiça. Haverá o receio de uma punição administrativa. Isso inibe um pouco a liberdade da magistratura e, principalmente, dos membros do Ministério Público.

A Lava Jato cometeu excessos?
Houve alguns excessos, porque o âmbito de atuação foi muito grande. Muitas vezes o excesso foi o receio de que a investigação fosse abafada. Acho que esses excessos foram pecados veniais. Como ministra, vi muitas vezes o vazamento de informações saindo da Polícia Federal e nada fiz contra a PF porque entendi qual foi o propósito.
Era tônica da sociedade brasileira ser um pouco benevolente com a corrupção. Em razão de não haver mais a conivência do Ministério Público e da Justiça com a corrupção é que os políticos tomaram a iniciativa de mudar a lei, que existe há muitos anos.

A lista pode abrir espaço para mudar o foro privilegiado?
Nós teremos uma revolução em termos de mudança total do sistema político e do sistema punitivo, depois de tudo que nós estamos vivenciando.

Prevê mudanças na questão da criminalização do caixa dois?
Sem dúvida alguma. Tudo estava preparado na sociedade para a conivência com esses absurdos políticos. Estamos vendo no que resultou a conivência da sociedade e da própria Justiça com essas irregularidades que se transformaram em marginalidade do sistema político.

Acredita que a lista estimulará o chamado “risco Bolsonaro”?
Eu não acredito, porque o povo brasileiro está ficando muito participativo. É outro fenômeno que a Lava Jato provocou. Existe uma camada da nossa população que ainda acredita nesses fenômenos de políticos ultrapassados. Eu acredito que seja fogo de palha.

O nome da senhora foi citado numa das delações por ter recebido dinheiro da Odebrecht para sua campanha a senadora, em 2014.
Eu acho foi que foi R$ 200 mil ou R$ 300 mil, não me lembro. Não foi mais do que isso. Mas não foi doação a Eliana Calmon, foi ao partido, ao PSB, que repassou para mim. Esse dinheiro está na minha declaração.

Essa contribuição compromete de alguma forma o seu discurso?
Não, em nada. Inclusive, depois da eleição, um dos empregados graduados da Odebrecht perguntou se eu poderia gravar uma entrevista. Os advogados pediam a pessoas com credibilidade para dar um depoimento a favor da Odebrecht, por tudo que a empresa estava sofrendo. Eu não fiz essa gravação. Porque isso desmancharia tudo que fiz como juíza. E, como juíza, sempre agi como Sergio Moro.

Fonte: http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Tempos Perigosos



Por Eurico Borba

O Brasil vive uma guerra civil.

Uma guerra civil sui generis, pois não se trata da luta de uma ideologia revolucionária pela conquista do poder politico, mas sim da inacreditável associação de bandidos, empresários, traficantes e políticos na busca da construção um Estado desmoralizado, que não perturbe seus negócios escusos.

Alguma duvida? Vamos começar a discutir um índice que determine quando uma guerra civil passa a existir? O numero de mortes violentas é suficiente? Segundo os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Publica, em 2015, 58.383 pessoas perderam a vida no Brasil em “crimes violentos letais intencionais”. O montante movimentado pelo impensável sistema nacional de corrupção, mais de 15 bilhões de reais nos últimos anos, é um numero razoável para fundamentar a assertiva ou o dado ainda é assimilável pela generosidade popular? O trafico de drogas, com suas ramificações e subornos, trazendo o crime para as ruas e amedrontando as pessoas, ainda é suportável? Decência e dignidade são valores integrais a serem cultivados pela cidadania ou podem ser relativizados de acordo com as conveniências de cada um?

Repilo as explicações simplistas e demagógicas de que a crise global é oportunidade de progresso. Besteira. O nível de erosão da sociedade liquida os sonhos de um povo sofrido. A degradação das instituições e dos valores morais impossibilita pensar em recuperação nacional com esta majoritária “turma” que aí está no Congresso Nacional e no Executivo. Sem a confiança da população, nas instituições, nos dirigentes e parlamentares, nada de bom e de duradouro poderá ser feito.

Repilo a desculpa para a inação com o argumento de que, antes, é preciso pesquisar, estudar e debater as causas da atual crise global. Bobagem. Tudo o que é importante já está suficientemente estudado, debatido e diagnosticado. Há um quadro social de emergência. É preciso que pessoas patriotas, corajosas, honestas e competentes, assumam as responsabilidades impostas pela cidadania e elaborem apenas algumas poucas leis e exercitem, com a urgência necessária, medidas evidentemente prioritárias tais como na área da educação, da saúde e da segurança.

Repilo, igualmente, a progressiva estupida submissão das mentes da população aos ditames do “politicamente correto”, que amedronta as pessoas fazendo-as repetir aquilo que os minoritários grupos interessados, organizados e diligentes, querem, como por exemplo: “tudo precisa ser debatido pelo povo”, tentativa de substituir a já desmoralizada democracia representativa pela empulhação da democracia interna do partido único proposta pelo comunismo; propagar uma ultrapassada e distante “revolução parisiense de 1968”, com o “tudo é permitido – é proibido proibir”, com a intenção de escamotear de vez os valores éticos que propiciaram a construção e a manutenção da Civilização Ocidental; a rejeição da proposta sem um prévio honesto debate democrático, como se tratasse de uma solerte ação fascista, sobre o direito dos analfabetos e ignorantes votarem, pois o atual mundo complexo exige, para a honesta participação política, discernimento e capacidade critica, condição para serem escolhidas as melhores opções para a sociedade e os melhores nomes para garantirem o funcionamento da Republica; revisão, imediata, do errado conceito de que bandidos precisam ser tratados com “severidade contida”: - bandidos que reagem às ações policiais, agredindo, deverão ser neutralizados pela força, sem tornar os homens da lei réus por presumível crime, inibindo a reação à desmoralização da necessária ordem publica.

 A cidadania digna e patriótica, a maioria silenciosa, se nada de razoável acontecer para a solução da crise global, saberá fazer sentir sua força e indignação. Que os atuais desmoralizados governantes e parlamentares, reunindo o pouco de dignidade que lhes resta, tratem de providenciar eleições gerais já, com novos honestos personagens e renovados poucos partidos ideologicamente definidos. Isto não é ingenuidade - é imposição da responsabilidade histórica. O brasil está destroçado, o tempo que resta é pouco.

Eurico Borba, 76, aposentado, ex- professor da PUC RIO, ex - Presidente do IBGE, reside em Ana Rech, Caxias do Sul.

Fonte:http://www.diariodopoder.com.br

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Os filhos do Brasil

Cena do filme "Lula, o Filho do Brasil", do diretor Fábio Barreto, que narra a trajetória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva

CÉSAR BENJAMIN
ESPECIAL PARA A FOLHA

A PRISÃO na Polícia do Exército da Vila Militar, em setembro de 1971, era especialmente ruim: eu ficava nu em uma cela tão pequena que só conseguia me recostar no chão de ladrilhos usando a diagonal. A cela era nua também, sem nada, a menos de um buraco no chão que os militares chamavam de "boi"; a única água disponível era a da descarga do "boi". Permanecia em pé durante as noites, em inúteis tentativas de espantar o frio. Comia com as mãos. Tinha 17 anos de idade.

Um dia a equipe de plantão abriu a porta de bom humor. Conduziram-me por dois corredores e colocaram-me em uma cela maior onde estavam três criminosos comuns, Caveirinha, Português e Nelson, incentivados ali mesmo a me usar como bem entendessem. Os três, porém, foram gentis e solidários comigo. Ofereceram-me logo um lençol, com o qual me cobri, passando a usá-lo nos dias seguintes como uma toga troncha de senador romano.

Oriundos de São Paulo, Caveirinha e Português disseram-me que "estavam pedidos" pelo delegado Sérgio Fleury, que provavelmente iria matá-los. Nelson, um mulato escuro, passava o tempo cantando Beatles, fingindo que sabia inglês e pedindo nossa opinião sobre suas caprichadas interpretações. Repetia uma ideia, pensando alto: "O Brasil não dá mais. Aqui só tem gente esperta. Quando sair dessa, vou para o Senegal. Vou ser rei do Senegal".

Voltei para a solitária alguns dias depois. Ainda não sabia que começava então um longo período que me levou ao limite.

Vegetei em silêncio, sem contato humano, vendo só quatro paredes -"sobrevivendo a mim mesmo como um fósforo frio", para lembrar Fernando Pessoa- durante três anos e meio, em diferentes quartéis, sem saber o que acontecia fora das celas. Até que, num fim de tarde, abriram a porta e colocaram-me em um camburão. Eu estava sendo transferido para fora da Vila Militar. A caçamba do carro era dividida ao meio por uma chapa de ferro, de modo que duas pessoas podiam ser conduzidas sem que conseguissem se ver. A vedação, porém, não era completa. Por uma fresta de alguns centímetros, no canto inferior à minha direita, apareceram dedos que, pelo tato, percebi serem femininos.

Fiquei muito perturbado (preso vive de coisas pequenas). Há anos eu não via, muito menos tocava, uma mulher. Fui desembarcado em um dos presídios do complexo penitenciário de Bangu, para presos comuns, e colocado na galeria F, "de alta periculosia", como se dizia por lá. Havia 30 a 40 homens, sem superlotação, e três eram travestis, a Monique, a Neguinha e a Eva. Revivi o pesadelo de sofrer uma curra, mas, mais uma vez, nada ocorreu. Era Carnaval, e a direção do presídio, excepcionalmente, permitira a entrada de uma televisão para que os detentos pudessem assistir ao desfile.

Estavam todos ocupados, torcendo por suas escolas. Pude então, nessa noite, ter uma longa conversa com as lideranças do novo lugar: Sapo Lee, Sabichão, Neguinho Dois, Formigão, Ari dos Macacos (ou Ari Navalhada, por causa de uma imensa cicatriz que trazia no rosto) e Chinês. Quando o dia amanheceu éramos quase amigos, o que não impediu que, durante algum tempo, eu fosse submetido à tradicional série de "provas de fogo", situações armadas para testar a firmeza de cada novato.

Quando fui rebatizado, estava aceito. Passei a ser o Devagar. Aos poucos, aprendi a "língua de congo", o dialeto que os presos usam entre si para não serem entendidos pelos estranhos ao grupo.

Com a entrada de um novo diretor, mais liberal, consegui reativar as salas de aula do presídio para turmas de primeiro e de segundo grau. Além de dezenas de presos, de todas as galerias, guardas penitenciários e até o chefe de segurança se inscreveram para tentar um diploma do supletivo. Era o que eu faria, também: clandestino desde os 14 anos, preso desde os 17, já estava com 22 e não tinha o segundo grau. Tornei-me o professor de todas as matérias, mas faria as provas junto com eles.

Passei assim a maior parte dos quase dois anos que fiquei em Bangu. Nos intervalos das aulas, traduzia livros para mim mesmo, para aprender línguas, e escrevia petições para advogados dos presos ou cartas de amor que eles enviavam para namoradas reais, supostas ou apenas desejadas, algumas das quais presas no Talavera Bruce, ali ao lado. Quanto mais melosas, melhor.

Como não havia sido levado a julgamento, por causa da menoridade na época da prisão, não cumpria nenhuma pena específica. Por isso era mantido nesse confinamento semiclandestino, segregado dos demais presos políticos. Ignorava quanto tempo ainda permaneceria nessa situação.

Lembro-me com emoção -toda essa trajetória me emociona, a ponto de eu nunca tê-la compartilhado- do dia em que circulou a notícia de que eu seria transferido. Recebi dezenas de catataus, de todas as galerias, trazidos pelos próprios guardas. Catatau, em língua de congo, é uma espécie de bilhete de apresentação em que o signatário afiança a seus conhecidos que o portador é "sujeito-homem" e deve ser ajudado nos outros presídios por onde passar.

Alguns presos propuseram-se a organizar uma rebelião, temendo que a transferência fosse parte de um plano contra a minha vida. A essa altura, já haviam compreendido há muito quem eu era e o que era uma ditadura.

Eu os tranquilizei: na Frei Caneca, para onde iria, estavam os meus antigos companheiros de militância, que reencontraria tantos anos depois. Descumprindo o regulamento, os guardas permitiram que eu entrasse em todas as galerias para me despedir afetuosamente de alunos e amigos. O Devagar ia embora.


São Paulo, 1994. Eu estava na casa que servia para a produção dos programas de televisão da campanha de Lula. Com o Plano Real, Fernando Henrique passara à frente, dificultando e confundindo a nossa campanha.

Nesse contexto, deixei trabalho e família no Rio e me instalei na produtora de TV, dormindo em um sofá, para tentar ajudar. Lá pelas tantas, recebi um presente de grego: um grupo de apoiadores trouxe dos Estados Unidos um renomado marqueteiro, cujo nome esqueci. Lula gravava os programas, mais ou menos, duas vezes por semana, de modo que convivi com o americano durante alguns dias sem que ele houvesse ainda visto o candidato.

Dizia-me da importância do primeiro encontro, em que tentaria formatar a psicologia de Lula, saber o que lhe passava na alma, quem era ele, conhecer suas opiniões sobre o Brasil e o momento da campanha, para então propor uma estratégia. Para mim, nada disso fazia sentido, mas eu não queria tratá-lo mal. O primeiro encontro foi no refeitório, durante um almoço.

Na mesa, estávamos eu, o americano ao meu lado, Lula e o publicitário Paulo de Tarso em frente e, nas cabeceiras, Espinoza (segurança de Lula) e outro publicitário brasileiro que trabalhava conosco, cujo nome também esqueci. Lula puxou conversa: "Você esteve preso, não é Cesinha?" "Estive." "Quanto tempo?" "Alguns anos...", desconversei (raramente falo nesse assunto). Lula continuou: "Eu não aguentaria. Não vivo sem boceta".

Para comprovar essa afirmação, passou a narrar com fluência como havia tentado subjugar outro preso nos 30 dias em que ficara detido. Chamava-o de "menino do MEP", em referência a uma organização de esquerda que já deixou de existir. Ficara surpreso com a resistência do "menino", que frustrara a investida com cotoveladas e socos.

Foi um dos momentos mais kafkianos que vivi. Enquanto ouvia a narrativa do nosso candidato, eu relembrava as vezes em que poderia ter sido, digamos assim, o "menino do MEP" nas mãos de criminosos comuns considerados perigosos, condenados a penas longas, que, não obstante essas condições, sempre me respeitaram.

O marqueteiro americano me cutucava, impaciente, para que eu traduzisse o que Lula falava, dada a importância do primeiro encontro. Eu não sabia o que fazer. Não podia lhe dizer o que estava ouvindo. Depois do almoço, desconversei: Lula só havia dito generalidades sem importância. O americano achou que eu estava boicotando o seu trabalho. Ficou bravo e, felizmente, desapareceu.

Dias depois de ter retornado para a solitária, ainda na PE da Vila Militar, alguém empurrou por baixo da porta um exemplar do jornal "O Dia". A matéria da primeira página, com direito a manchete principal, anunciava que Caveirinha e Português haviam sido localizados no bairro do Rio Comprido por uma equipe do delegado Fleury e mortos depois de intensa perseguição e tiroteio. Consumara-se o assassinato que eles haviam antevisto.

Nelson, que amava os Beatles, não conseguiu ser o rei do Senegal: transferido para o presídio de Água Santa, liderou uma greve de fome contra os espancamentos de presos e perseverou nela até morrer de inanição, cerca de 60 dias depois. Seu pai, guarda penitenciário, servia naquela unidade.

Neguinho Dois também morreu na prisão. Sapo Lee foi transferido para a Ilha Grande; perdi sua pista quando o presídio de lá foi desativado. Chinês foi solto e conseguiu ser contratado por uma empreiteira que o enviaria para trabalhar em uma obra na Arábia, mas a empresa mudou os planos e o mandou para o Alasca. Na última vez que falei com ele, há mais de 20 anos, estava animado com a perspectiva do embarque: "Arábia ou Alasca, Devagar, é tudo as mesmas Alemanhas!" Ele quis ir embora para escapar do destino de seu melhor amigo, o Sabichão, que também havia sido solto, novamente preso e dessa vez assassinado. Não sei o que aconteceu com o Formigão e o Ari Navalhada.

A todos, autênticos filhos do Brasil, tão castigados, presto homenagem, estejam onde estiverem, mortos ou vivos, pela maneira como trataram um jovem branco de classe média, na casa dos 20 anos, que lhes esteve ao alcance das mãos. Eu nunca soube quem é o "menino do MEP". Suponho que esteja vivo, pois a organização era formada por gente com o meu perfil. Nossa sobrevida, em geral, é bem maior do que a dos pobres e pretos.

O homem que me disse que o atacou é hoje presidente da República. É conciliador e, dizem, faz um bom governo. Ganhou projeção internacional. Afastei-me dele depois daquela conversa na produtora de televisão, mas desejo-lhe sorte, pelo bem do nosso país. Espero que tenha melhorado com o passar dos anos.

Mesmo assim, não pretendo assistir a "O Filho do Brasil", que exala o mau cheiro das mistificações. Li nos jornais que o filme mostra cenas dos 30 dias em que Lula esteve detido e lembrei das passagens que registrei neste texto, que está além da política. Não pretende acusar, rotular ou julgar, mas refletir sobre a complexidade da condição humana, justamente o que um filme assim, a serviço do culto à personalidade, tenta esconder.

CÉSAR BENJAMIN, 55, militou no movimento estudantil secundarista em 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano, juntando-se à resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da Editora Contraponto e colunista da Folha.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br 

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Cotado para Justiça, deputado de MG é crítico do Ministério Público



Cotado para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública no lugar de Alexandre de Moraes, o deputado federal Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), 40, defendeu envolvidos no escândalo do mensalão e faltou a votações de temas imprescindíveis para o governo Michel Temer.

Além disso, já criticou o poder de investigação do Ministério Público.
Advogado, Pacheco integrou a banca que defendeu dirigentes do Banco Rural no processo do mensalão. Ao lado dos ex-ministros da Justiça Márcio Thomaz Bastos (morto em 2014) e José Carlos Dias, entre outros, ele assina várias peças de defesa dos ex-dirigentes da instituição.

Nas alegações finais da ex-presidente do Rural Katia Rabello, em 2011, os advogados escrevem que o Ministério Público "se rendeu a especulações não provadas, considerou fatos sem importância jurídica, senão midiática, ignorou aspectos temporais dos fatos", entre outras falhas, na denúncia contra os investigados no mensalão.

Três ex-dirigentes do banco acabaram condenados pelo Supremo Tribunal Federal, entre eles Kátia Rabello, que recebeu pena de 16 anos e 8 meses de prisão.
Esta não foi a única vez que Pacheco fez críticas ao Ministério Público, hoje um dos principais atores da Operação Lava Jato.

INVESTIGAÇÃO
 
Em 2013, em um programa da TV da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, ele se posicionou contra o poder de investigação do Ministério Público quando o Câmara discutia a PEC 37.
A Proposta de Emenda à Constituição, que acabou derrotada em plenário, pretendia dar poder exclusivo à polícia para realizar investigações criminais, retirando essa possibilidade do Ministério Público e contava com apoio da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), de onde Pacheco era conselheiro federal à época da entrevista.

"Em razão de casos concretos que surgiram nos últimos anos, o Ministério Público inaugurou procedimentos administrativos criminais análogos a inquérito policiais, investigando fatos-crimes e servindo aquela investigação unilateral do Ministério Público para propositura por ele próprio de ações penais", afirmou Pacheco na entrevista, cujo vídeo é reproduzido no site do escritório de advocacia do qual foi sócio até outubro de 2016.

"O fato é que nosso sistema jurídico, nossa Constituição define que não cabe ao Ministério Público investigar. E por uma razão muito simples: se será ele o titular da ação penal, aquele que deduzirá uma pretensão condenatória contra alguém, aquele que visa a restrição de liberdade de alguém, o que acusa, não pode ser este mesmo órgão a investigar preteritamente esta mesma pessoa", declarou Pacheco à época.


OPÇÃO
  
Caso não se torne ministro, Pacheco é a indicação do PMDB para presidir a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) na Câmara.O deputado era primeiro vice-presidente do colegiado, mas teve um índice alto de faltas não justificadas na comissão em 2016, incluindo ausência nas votações dos dois temas prioritários do governo de Michel Temer -a emenda que congelou os gastos federais por 20 anos, em agosto, e a reforma da Previdência, em dezembro.

Segundo registros da Câmara, nessas duas ocasiões, ele até chegou a registrar presença nas sessões, mas se ausentou na hora das votações.
Ao todo, ele faltou a 35% das sessões da CCJ -17 de 31, sendo 13 sem apresentação de justificativa-, de acordo com os dados da Câmara.

Pacheco foi candidato à Prefeitura de Belo Horizonte em 2016, tendo ficado em terceiro lugar (obteve 10% dos votos válidos).

É deputado de primeiro mandato pelo PMDB de Minas, embora seja natural de Porto Velho (RO).
O nome dele já foi levado ao presidente Michel Temer e tem apoio do PMDB da Câmara. Sua indicação, porém, desagrada à bancada do partido no Senado, que reivindica participação na escolha.

O deputado foi procurado pela Folha para esclarecer os pontos abordados na reportagem, mas preferiu não se manifestar.

"Tenho acompanhado pela imprensa as especulações sobre nomes para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, porém ressalto que não recebi qualquer convite ou contato formal sobre isso, de modo que prefiro não comentar", informou o peemedebista em nota.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Liberalismo: de esquerda ou de direita?


Por Roger Scar

É natural que as pessoas queiram se identificar com um grupo. Dizer-se de esquerda ou de direita faz parte de uma linha comum no raciocínio dicotômico. Os liberais, no entanto, não escapam disso. Pelo contrário. Ouso dizer até que são os mais confusos no que diz respeito a isso. Frequentemente tentam se posicionar de um lado ou de outro, sem notar que, na prática, isso não apenas é pouco relevante como é quase sempre muito negativo.

Esquerda e direita são conceitos mutáveis, assim como vários conceitos o são. O que define um conceito é justamente isso: sua adaptação. Conceitos são aquilo que a mentalidade das pessoas, dentro de seu tempo (zeitgeist), podem compreender de uma ideia. Socialismo é um conceito que se modificou com o tempo. Liberalismo também. O mesmo ocorreu com “esquerda” e “direita”. Nos tempos de Bastiat era natural um liberal pender mais à esquerda; ele compreendia com razão que, na época, ser da esquerda era lutar contra o establishment, era questionar o status quo daquele tempo. Num momento pós-revolução francesa nada seria mais natural para um liberal. Já no século XX esta situação se alterou. A esquerda passou a adotar posturas muito mais voltadas ao pensamento pró-Estado. Nesta situação, ser liberal acabou significando um afastamento da esquerda. Foi aí que liberais incorreram no erro de se associar com linhas mais conservadoras.

No século passado, liberais e conservadores andaram de mãos dadas em muitas ocasiões. Neste contexto, ficou claro para nossos adversários que éramos “iguais” aos reacionários. Não tardou para que usassem isso contra nós. E não os culpo. Como oportunistas políticos que se tornaram, esquerdistas em geral precisam deste tipo de falácia para se sustentar. É natural que seja assim. Mas não há como não culpar a nós mesmos por isso. Enquanto liberais, pecamos feio em tentar guinar ao conservadorismo.

Entretanto, parece que como todo o restante da humanidade, não aprendemos com a história. No presente, vejo liberais caindo no mesmo erro. Alguns vivem no século XX e querem pertencer à direita. Outros vivem no início do século XIX, e estes querem pertencer à esquerda. Ambos incorrem exatamente no mesmo erro. Os “liberais de direita” criaram o conservadorismo liberal, uma ideologia que namora com o liberalismo e com o conservadorismo, mas acaba não sendo nenhuma das duas coisas. É uma aberração. E o motivo para que se tenha caído em tão óbvia armadilha é simples: conservadores em geral defendem liberdades econômicas. Mas, parece não ocorrer aos tais liberais que eles não defendem as liberdades civis, tão importantes quanto. E parece não lhes ocorrer, também, que os grandes pensadores de nossa ideologia já deixaram bastante claro que é impossível a liberdade ser plena se ela tiver restrições. Não há como ter liberdade econômica sem as liberdades civis.

Do outro lado do espectro, temos os modernos libertários de esquerda, mais conhecidos pela alcunha de “left-libs”. Estes tentam timidamente abraçar a esquerda e se aproximar da new left. O motivo de isto acontecer é também muito simples: eles caíram no engodo de acreditar que a esquerda de hoje luta por liberdades civis. Compraram o discurso feminista e anti-racista ou pró direitos homossexuais da esquerda de hoje. Ironicamente eles não notam que este discurso foi usurpado de nós mesmos. Nós, liberais, sempre defendemos a liberdade individual e a equidade para mulheres, negros, brancos, gays, ou o que quer que as pessoas sejam. E além de terem usurpado o nosso próprio discurso, vale ressaltar que a new left o usa de maneira torpe e trapaceira. O que estes libertários de esquerda não veem é que os socialistas de hoje não querem liberdades civis de verdade, eles querem apenas que o Estado regulamente estas liberdades. Nós falamos em liberação das drogas, eles falam de legalizá-las. Nós falamos em liberdades iguais, eles falam em direitos sociais e leis de privilégio. Sem contar que, quando falamos em liberdade econômica todos eles têm parada cardíaca. Não é à toa que a própria esquerda ridicularize os libertários de esquerda, exatamente como muitos conservadores fazem com os liberais de direita ou liberais conservadores.

O que liberais precisam aprender é que conservadores e socialistas não nos representam. Não é por concordamos com algo que eles digam e defendam de forma pontual que precisamos entrar de cabeça e guinar para o lado deles. Pelo contrário. Ter concordâncias pontuais é até natural, dificilmente alguém discorda em tudo. Mas é mais que necessário reconhecer que em essência somos completamente distintos. E isso era, inclusive, o que o próprio Bastiat defendia. Por isso me é tão entristecedor quando vejo libertários citando o bastião francês da liberdade enquanto tentam justificar sua inclinação espectral para a esquerda. Acho igualmente triste ver os liberais conservadores tentando justificar sua posição citando o trabalho de Reagan ou Tatcher, que foram tão pouco liberais quanto tantos outros.

Mas, é fato: precisamos ter foco. O que hoje aparece como hegemônico no espectro político é a esquerda e ela deve ser nosso alvo principal, sem dúvidas. Mesmo por que a direita atual tem muito menor relevância. E precisamos olhar o passado e reconhecer, ainda que tardiamente, que hoje a new left só possui tanta influência por causa dos nossos erros. Reconhecer isto é essencial para evitarmos o mesmo equívoco daqui para frente. Precisamos recuperar nossa pureza. E antes tarde do que nunca!

Acrescento, ainda, que é muito mais importante nos preocuparmos com o conteúdo e com a forma de nossas ideias do que em nos identificarmos como “isto” ou “aquilo”. Nós devemos fazer concessões somente se e quando houver legitimidade e um aparelhamento dentro daquilo que nós já defendemos, e não o contrário. A história já fez sua parte em nos mostrar os erros de nossos ídolos. Alguns tiveram a chance de morrer como heróis, mas outros viveram o bastante para tornarem-se “vilões”. Nós podemos traçar um novo caminho, levando o liberalismo adiante da forma como ele deve ser de verdade. Para isto, basta uma mudança de postura. Misture-se, portanto, ideias puras com um discurso flexível. Esta é a fórmula correta para adequar-se ao nosso tempo.

Fonte:  Roger Scar é escritor e colunista do blog Portal Libertarianismo.
https://www.institutoliberal.org.br/blog/liberalismo-de-esquerda-ou-de-direita/

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

O MAL FLORESCE QUANDO SE QUEBRAM AS REGRAS



“Livre-se das regras, e a discórdia violenta virá em seguida”, alerta o ensaísta Theodore Darlrymple na obra Nossa Cultura... Ou o que restou dela. É o que se assiste na sociedade brasileira nos dias atuais.

Os dirigentes descumprem as leis, afanam os recursos públicos, desviam a merenda escolar, as vagas de UTI, os remédios e os equipamentos médicos do Sistema Único de Saúde, enquanto a burocracia e as corporações repetem o mesmo mantra de mais e mais verbas como a solução para o setor.

Os sindicatos, de defensores dos trabalhadores, passaram a representar os interesses de poucos contra a maioria, principalmente no serviço público, e o tal poder de compra, tão reivindicado, nem em sonho passa perto da população, a razão de ser de todo o aparato montado pelo Estado.

Quando o servidor está insatisfeito com uma lotação, comparece ao serviço médico, diz que tem sonhado com as dívidas e entra de licença, sem que seja possível questionar o alegado sofrimento.

Agora, os policiais militares entraram em greve, mesmo contra a Constituição Federal, e permitiram que criminosos sanguinários transformassem as ruas de Vitória, capital do Espírito Santo, em praças de guerra. Os comandantes entregaram os cargos e deixaram a corporação à deriva.

Sem desmerecer a justeza das reinvindicações, a faca dos policiais foi colocada no pescoço não do governante, mas da população, que mais uma vez pagou o ingresso e não teve direito ao melhor da festa.

O indivíduo, de livre consciência e vontade, ataca, estupra, rouba ou mata e não recebe a pena justa, mas um arremedo de reprimenda, e logo volta ao convívio social para repetir ação delituosa, cuja responsabilidade é debitada à sociedade ou ao sistema. É como se dissessem às pessoas: aguentem! E cada um dá um jeito para seguir sobrevivendo.

Efetivamente, vivemos uma época em que a ordem é quebrar as regras, começando por muitos tabus, como o incesto.

Se abrirmos mão das regras, as comportas do mal, que é mais ligeiro que a bem, vão inundar o nosso mundo.

Miguel Lucena – Delegado da PCDF e jornalista
Fonte:http://www.diariodopoder.com.br

Quem merece o quê?





Não é justo que todos colham o mesmo com sementes e esforços de plantio bem distintos


Uma palavra cresceu muito recentemente: meritocracia. Sua raiz está em muitos lugares. Começa com a crítica à sociedade estamental do Antigo Regime. No mundo dos reis absolutos, as pessoas eram definidas pelo nascimento. No século de Luís XIV, por exemplo, a nobreza tinha privilégios de foro jurídico, acesso a cargos, presença na Corte, precedências sociais e, até, o direito de usar certos tecidos e cores (leis suntuárias).

A maioria da população (o povo) viu com desconfiança um mundo definido pela loteria do nascimento e não pela capacidade de alguém. Reivindicou-se a isonomia, ou seja, a igualdade diante da lei. Quem garantiria que era melhor ter como comandante militar um duque ou príncipe de sangue, se um humilde oficial poderia ter mais preparo e melhor estratégia, mesmo que nascido de berço simples? 
Uma das reações ocorreu no novo modelo de exército liderado pelo puritano Oliver Cromwell contra as tropas absolutistas de Carlos I Stuart. O sucesso de um exército disciplinado com oficiais promovidos por mérito foi evidente: o rei foi decapitado e os ingleses conheceram uma inédita República. A meritocracia era eficaz.

Ao final do Antigo Regime, a ascensão de Napoleão Bonaparte foi a consagração da capacidade sobre a origem. O corso venceu vários imperadores. Claro que tudo tem seu custo e, mesmo Napoleão, tão prático, fez uma concessão simbólica ao se coroar.

O conceito de meritocracia aumentou em importância com a ascensão do capitalismo liberal, especialmente no século 19. De Adam Smith a Stuart Mill, domina a ideia de que o esforço pessoal seja o distintivo de cada ser. Riqueza e pobreza eram fruto de uma correlação entre capacidade e trabalho. 
Nos Estados Unidos, o empreendedor bem-sucedido transformou-se na encarnação do Liberalismo. A meritocracia seria similar à evolução das espécies: em um mesmo ambiente, apenas as mais adaptadas e hábeis sobrevivem. 

Quase ao mesmo tempo, ideias socialistas deram explicação contrária. A sociedade capitalista era concentradora de renda e impedia a ascensão de forma igualitária. Para liberais clássicos, a desigualdade era uma decorrência natural dos diferentes talentos e esforços. Para os socialistas, era uma situação artificial criada para garantir o domínio de uma pequena elite. A meritocracia era uma construção ideológica para parte da esquerda e era uma verdade pétrea para uma parte dos conservadores. Parte dessa crítica está na obra de Thomas Piketty, O Capital no Século XXI.

Liberais gostam de citar, no Brasil, Machado de Assis. Nascido em condição social humilde, mulato, educou-se e galgou postos profissionais por exclusivo esforço pessoal. O fundador da Academia Brasileira de Letras seria o exemplo de que todos têm oportunidades, basta empenho. 

Os inimigos da ideia do esforço como motor maior pensam em Machado como exceção. Usá-lo seria como dizer a todo atleta de várzea: jogue bastante bola porque Neymar ficou milionário assim. Para críticos da meritocracia, os exemplos excepcionais de um Machado só servem para reforçar a ideia de que, para a maioria, os caminhos estariam fechados. 

O tema é complexo e não tem apenas dois polos: é preciso lembrar que o pensamento aristocrático continuou a encontrar eco em boa parte do século 20, negando a ideia de mérito e as críticas socialistas. Sándor Márai capta essa terceira via no romance As Brasas, ao narrar o quase monólogo do general Henrik acusando seu amigo de infância, Konrad, de invejar seu berço aristocrático e sua vida abastada na corte de Francisco José. Konrad era mais inteligente e esforçado, tinha mais mérito em tudo. Vinha de origem mais humilde. Mas jamais seria como Konrad por uma questão de nascimento. Isso tudo em 1941! Arno J. Mayer analisa a persistência da nobreza como referência até 1914 no clássico A Força da Tradição. 

No plano individual, um aluno que se esforce mais tem mais chances de sucesso. Não seria justo que todos colhessem o mesmo com sementes e esforços de plantio bem distintos. No plano mais amplo, uma formação ruim e até uma ingestão insatisfatória de alimentos em alguns momentos pode representar danos muito difíceis de serem superados. Em processo de ensino, nem todo degrau pode ser recuperado. A pergunta incômoda é se todos possuem condições de esforço. Em outras palavras: querer é poder, mas... será que todos podem querer? Eu não tenho resposta clara. Sempre achei que somos mais livres do que deterministas de toda espécie imaginam, mas menos autônomos na vontade do que liberais idealizam.

Óbvio concluir que dar boas condições a alguns também não garante o êxito. O esforço é necessário independentemente da origem do esforçado. Seria ele suficiente? Responder a esta questão complexa sobre meritocracia está na base de políticas como Bolsa Família e cotas em processos seletivos. Na verdade, toda política pública dessa natureza nasce da ideia de que as condições não são iguais para todos e que seriam necessárias medidas para garantir, de fato, meritocracia.

As perguntas básicas são: A) há condições de crescimento para todos mediante esforço? B) a meritocracia ainda é o critério básico para distinguir sucesso e fracasso? Talvez o questionamento derradeiro seja: quem merece o quê? Boa semana a todos.

Fonte: http://cultura.estadao.com.br  - Por Leandro Karnal