Por GUSTAVO LOYOLA
Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o Brasil teria vivido, em 2012, o primeiro ano de uma nova matriz econômica, caracterizada por juros baixos e uma taxa de câmbio competitiva. Em artigo publicado no Valor (19/12), o ministro nos informou que "as taxas elevadas estão na gênese de duas outras grandes distorções na economia, a saber, câmbio valorizado e carga fiscal elevada, que levam à má alocação de recursos e a um menor crescimento da economia". De tal afirmativa, segue a conclusão de que os agora juros baixos levaram à desvalorização da taxa cambial e à redução da carga tributária, o que deve beneficiar o crescimento econômico nos próximos anos.
Ocorre que uma política econômica caracterizada por juros reais próximos a zero e taxa de câmbio desvalorizada jamais poderia ser chamada de "nova matriz econômica". Ao contrário, tal política é tão velha quanto a hiperinflação brasileira que precedeu o plano Real. No passado, essa "matriz" conduziu-nos a um processo de aceleração inflacionária, no qual a veleidade de se manter um câmbio real competitivo, por meio de frequentes desvalorizações nominais da taxa cambial, servia de combustível adicional para a inflação, numa economia dominada por mecanismos de indexação.
Da mesma forma, no plano fiscal, a ideia de que a carga tributária elevada no Brasil é resultado dos juros altos não tem nada de novo. Parece a ressurreição, com nova roupagem, da malsinada teoria da "origem financeira do déficit público". Como se recorda, nos anos 1980, os apologetas dessa visão julgavam inúteis e contraproducentes quaisquer medidas de ajuste fiscal primário, atribuindo a culpa do déficit à "ciranda financeira". Intelectualmente, podem ser considerados como os pais do frenesi de expansão dos gastos primários - e posteriormente da carga tributária - que se seguiu à promulgação da Constituição de 1988.
No passado, política de juros reais baixos e câmbio desvalorizado levou a uma aceleração hiperinflacionária
Não custa lembrar que a política econômica praticada desde 1999 - regimes de taxas flutuantes de câmbio e de metas para inflação, com autonomia de fato do Banco Central, e responsabilidade fiscal com metas robustas de superávit fiscal - foi a responsável pela redução das principais vulnerabilidades macroeconômicas do Brasil, a saber: risco de insustentabilidade do endividamento público; vulnerabilidade da economia a choques externos; inflação elevada e falta de previsibilidade de sua trajetória futura.
Ao atuar com sucesso sobre essas três vulnerabilidades, o acima mencionado "tripé" de políticas macroeconômicas vinha propiciando a queda das taxas reais de juros de equilíbrio no Brasil, processo que, aliás, já ocorria mesmo antes de o atual titular da Fazenda assumir o cargo.
Dessa maneira, nada indicava que a continuidade das políticas macroeconômicas sadias iniciadas com a estabilização da economia em 1994 não pudesse levar à convergência das taxas de juros brasileiras aos níveis internacionais. Ao contrário, como assinalamos, essa trajetória vinha ocorrendo de maneira segura e incontestável. Por outro lado, é razoável crer que tal convergência pudesse, ao longo do tempo, tornar viável a redução da carga tributária, sem prejuízo para a responsabilidade fiscal e sem a necessidade da adoção de mirabolantes manobras contábeis de véspera de "réveillon" ou de uma "nova matriz econômica". Ou seja, a responsabilidade fiscal, entre outros fatores, leva à queda sustentável dos juros reais que, em seguida, viabiliza a diminuição da carga tributária. Causalidade distinta, portanto, da propugnada pelos antigos e atuais defensores da teoria da origem financeira do déficit público.
O risco da "nova matriz macroeconômica" decorre fundamentalmente da inversão das prioridades da política macroeconômica de curto prazo. O que se observou nos dois primeiros anos do atual governo, mesmo levando-se em conta as circunstâncias conjunturais negativas, foi o abandono do regime de taxas flutuantes de câmbio, a relativização do regime de metas para inflação e o aumento da opacidade na gestão das contas públicas combinado com a piora dos indicadores fiscais. Em paralelo, assistiu-se ao uso intensivo dos bancos públicos na oferta de crédito, em larga medida alavancados em fartos recursos proporcionados pelo Tesouro, assim como o aumento das desonerações tributárias de cunho setorial.
Com tudo isso, as condições de previsibilidade macroeconômica pioraram. Os agentes econômicos, mesmo ainda acreditando que o governo mantenha seu compromisso com o controle da inflação, não têm mais uma ideia clara sobre as prioridades na gestão macroeconômica. Juros baixos? Câmbio "competitivo"? Inflação na meta? Crescimento ("pibão") em 2013? O resultado pode ser a retração do investimento, indo na direção contrária da pretendida pelas autoridades.
As expectativas para o PIB em 2013 apontam para um crescimento moderado, entre 3% e 3,5%. É nesse intervalo que parece se situar a taxa de crescimento potencial da economia brasileira, no quadro atual de reduzido crescimento da produtividade e de baixa taxa de investimento. Para elevar o crescimento a patamares superiores, são necessárias políticas que cuidem desses obstáculos e não uma "nova" velha matriz macroeconômica que só faz aumentar as incertezas na economia.
Fonte: O Valor 07.01.13
Charge: Alecrim
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