domingo, 17 de fevereiro de 2013

O crime entrou em campo


O Estado de S.Paulo

Paixão popular no mundo inteiro, o futebol não é isento de denúncias de corrupção. Já na transição do amadorismo para o profissionalismo, ele é tema de extenso folclore contendo casos como o do dirigente de um clube que prometeu pagar ao goleiro do adversário certa quantia por gol tomado e, após o quinto, avisou-lhe que o trato não valia para os próximos. Tendo esse esporte se transformado num negócio muito próspero, a manipulação de resultados de partidas se tornou relativamente comum. E as quantias envolvidas, cada vez maiores. Ainda assim, os dados revelados no último escândalo divulgado impressionam: quase 700 jogos - 380 em 15 nações europeias e mais de 300 na América do Sul, América Central, África e Ásia, inclusive no Brasil, na Copa dos Campeões da Europa e nas eliminatórias para a Copa do Mundo - estão sob investigação do Serviço Europeu de Polícia (Europol).


Os policiais calculam que na Europa, onde se concentra a elite do futebol mundial, a máfia devassada pagou 2 bilhões (R$ 5,4 milhões) em propinas e recebeu 8 bilhões (R$ 35 bilhões) em prêmios de loteria e apostas feitas pela internet. "Nunca vimos uma rede tão grande de criminosos no futebol. Trata-se de uma operação sofisticada e uma evidência clara de como a corrupção invadiu o esporte", comentou o diretor do Europol, Rob Wainwright.

O esquema devassado baseia-se na compra de jogadores, árbitros e dirigentes para assegurar resultados de interesse de apostadores. Jogos de pouco destaque no noticiário esportivo estão sob suspeita. O trio que apitou um amistoso entre seleções sub-20 da Argentina e da Bolívia em 2010 deu à partida um acréscimo de 13 minutos sem razão aparente. E o juiz ainda marcou um pênalti inexistente para garantir a vitória dos argentinos. Pelo menos um jogo válido pela Copa dos Campeões na Inglaterra, dois das eliminatórias para a Copa da África e um na América Central estão sendo investigados. De acordo com os investigadores, além de obter lucros milionários, os bandidos também usam a fraude para lavar dinheiro ilícito obtido na venda de entorpecentes.

Esta é a principal diferença entre o escândalo denunciado esta semana pelo Europol e outros ocorridos em passado recente. Em 2006, a descoberta da manipulação de resultados no futebol italiano resultou no rebaixamento da tradicional Juventus de Turim para a segunda divisão do campeonato nacional. No ano passado, esquema similar foi denunciado no mesmo país, cuja seleção já conquistou quatro Copas do Mundo da Fifa.

No Brasil, também não é incomum o registro de casos escabrosos. Há 30 anos, quando a Loteria Esportiva era uma mania nacional quase igual à paixão pelo próprio futebol, a revista especializada em esportes Placar revelou que jogos que constavam das cartelas de aposta tinham resultados alterados à base do suborno de seus participantes. Em 2005, outra revista, a Veja, denunciou a chamada Máfia do Apito, sob o comando de Edilson Pereira de Carvalho, acusado de chefiar uma quadrilha de árbitros venais. Das investigações feitas após a reportagem resultou a anulação de 11 jogos do Campeonato Brasileiro.

Só que a corrupção não se limita ao que ocorre dentro das quatro linhas que delimitam o gramado. Também prospera nos escritórios de um negócio que movimenta fortunas em transferências e contratos de craques e treinadores. E em quantias vultosas investidas em publicidade na transmissão pela televisão de torneios acompanhados por bilhões de espectadores pelo mundo inteiro. Recentemente, Ricardo Teixeira foi apeado da presidência da CBF sob suspeita de enriquecimento ilícito. E a revista francesa France Football revelou que dirigentes da Fifa teriam recebido propina para escolher o Catar para sediar a Copa do Mundo de 2022.

O combate a essa praga deve começar pela transparência na contabilidade de clubes, federações, confederações e da Fifa, entidades privadas em que dirigentes reinam por anos a fio, sem a obrigação de prestar contas de suas gestões.

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