segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Espantosa insensibilidade



Editorial do Jornal O Estado de São Paulo

O mínimo que se pode dizer de duas medidas adotadas pela Prefeitura da capital, que afetam diretamente pessoas carentes - uma que fecha albergues no centro e vem sendo implementada aos poucos desde 2008, e outra que corta merenda para crianças, esta mais recente -, é que causam espanto, tamanha a insensibilidade dos responsáveis por elas. Dois albergues já foram fechados - o Jacareí, antigo Cirineu, com 400 vagas, e o Glicério, ou São Francisco, com 300 vagas - e outros dois deverão ter o mesmo destino, o que representa a eliminação de mais de mil leitos para necessitados na região central.

No ano passado, quando começaram a se avolumar as críticas a essa medida, a vice-prefeita e secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, Alda Marco Antônio, alegou que, com exceção de 720 pessoas com mais de 65 anos - que deveriam ser encaminhadas para imóveis da Prefeitura, onde teriam assistência médica -, 3.280 albergados não tinham necessidade desse tipo de abrigo. Essas 4 mil pessoas eram metade da população dos albergues. Em defesa do que chamou de reforma do sistema de albergues, afirmou ela que "tem muita gente que ganha R$ 1 mil e continua morando nos albergues por comodismo. Ficam três, quatro anos". A reforma, segundo seus assessores informaram então, baseava-se na inclusão dos moradores de rua em programas sociais para possibilitar sua reinserção social; no oferecimento de passagens aos que desejassem voltar para suas cidades de origem; e na transferência dos idosos para hotéis especialmente preparados para recebê-los.

Segundo os críticos da pretendida reforma, o verdadeiro objetivo da Prefeitura é forçar a ida dos que não têm onde morar para a periferia - se necessário transferindo albergues para lá - a fim de "limpar" o centro. Se era esse mesmo o objetivo, ele não está sendo atingido, como mostra reportagem do Estado. Aquelas pessoas carentes preferem dormir ao relento no centro e em bairros próximos do que ir para regiões distantes.

Como explica uma delas, "a segurança (na periferia) é ruim, não tem atendimento de saúde e falta lugar para vender lixo ou papelão". Daí o crescimento da população de rua em locais como a Avenida Duque de Caxias, a Praça da República, o Largo do Arouche e a Avenida Paulista. "Depois que encerraram os serviços dos albergues, apareceu um monte de morador de rua por aqui. Regiões onde não havia tantos mendigos, como a Alameda Santos e o vão do Masp, agora estão lotadas", diz a diretora da Associação Paulista Viva, Marli Lemos.

O máximo que se conseguiu com essa política infeliz foi tirar dessa população carente um dos pouquíssimos amparos que tinha - o de um teto e um leito para os momentos de maior aperto, principalmente no inverno. Quando começou a reforma do sistema de albergues, o Movimento Nacional de Assistência à População de Rua criticou a secretária Alda Marco Antônio, dizendo que ela não dispunha de estudos que lhe permitissem afirmar, como fizera, que metade da população dos albergues poderia e deveria ser removida. Bom senso e uma boa dose de sensibilidade às agruras dessa população, que não devem faltar aos administradores públicos, teriam bastado para evitar essa desastrada tentativa de "reforma".

Certamente foi a falta desses mesmos ingredientes que levou a Prefeitura a cortar, a partir de 1º de janeiro, a entrega de merenda para entidades que atendem crianças e adolescentes órfãos ou em situação de risco, como informou o jornal Folha de S.Paulo. Nos abrigos dessas entidades, os mantimentos fornecidos pelo governo municipal constituíam a base das cinco refeições diárias oferecidas às crianças. Para substituí-los, estão sendo repassados R$ 2.289,00 por mês a entidades que dão assistência, em média, a 20 jovens. Com isso, cada criança tem R$ 3,80 por dia para fazer cinco refeições, uma proeza impossível. Diz a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social que vai rever esse valor. Se vai rever, é porque admite que errou.

Infelizmente, o governo municipal não percebeu ainda que deve ter um cuidado especial para não errar com moradores de rua e órfãos.

Fonte: Estadão 06/02/10

Nenhum comentário: