sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Entre caras de pau e pessimistas

Por Sardenberg

Janet Yellen não cai na categoria "cara de pau", mas não  escapa do grupo dos "pessimistas do fim do mundo"- conforme a classificação feita pela presidente Dilma na festa do PT na última segunda. Presidente do Fed, o banco central dos EUA, Yellen colocou o Brasil entre os cinco emergentes mais frágeis neste processo de mudança do cenário global. Mas não se meteu em política interna brasileira, nem sugeriu mudanças.
          A categoria "cara de pau" se aplica mais a brasileiros, diretamente a políticos e especificamente ao governador de Pernambuco e pré-candidato a presidente, Eduardo Campos. Foi ele quem disse: o velho pacto político do PT já mofou e está na hora do Brasil iniciar um novo ciclo. 
         Também é "cara de pau" o empresário Pedro Passos, sócio da Natura, que deu entrevista dizendo com todas as letras: "é preciso reconhecer que o modelo se esgotou e que precisamos lançar outro". Mas Passos está associado a Marina Silva e, portanto, é classificado como "eleitoreiro". 
         A categoria "cara de pau", portanto, tem um propósito politico, enquanto a dos "pessimistas do fim do mundo" se aplica mais a economistas em geral, nacionais e estrangeiros.  Caem nela todos aqueles que apontam desequilíbrios crescentes no Brasil. 
         Mas "cara de pau" cabe também a muitos economistas que, embora sem anunciar fim do ciclo político, entendem que, sim,  um ciclo de política econômica terminou e é preciso fazer reformas profundas para sair da armadilha do baixo crescimento. 
         Delfim Netto, por exemplo, embora amigo do Planalto e embora faça questão de ressalvar que o Brasil está longe do fim do mundo, acaba classificado entre "cara de pau" e "pessimista". Pode ser embaraçoso, mas é ali que o coloca a tese exposta em recente artigo para o Valor. A seguinte: estamos num fim de ciclo na economia mundial e especialmente para os emergentes, isso apanhando o Brasil com três desequilíbrios importantes e crescentes, a saber, dívida pública elevada, inflação alta e persistente e déficit nas contas externas "longe de ser saudável". 
         Ora, esses são justamente os três fundamentos macroeconômicos que Dilma considera "sólidos", de uma solidez tão evidente que só não vê quem é cara de pau ou quer jogar o Brasil no fim do mundo. O ataque se dirige, claro, aos economistas considerados de oposição militante, mas atinge mesmo aqueles que estão longe da hostilidade ao governo Dilma e até acreditaram que ele poderia ter êxito. 
         Yoshiaki Nakano, por exemplo, também escreveu no Valor que se esgotou o ciclo da bonança externa (que propiciou o salto nas exportações de primários), que essa bonança não foi bem aproveitada - muito consumo e pouco investimento - e que, logo, já está passando a hora de "vigorosas reformas". 
         E para não ficar apenas nos nacionais, acrescente-se aos "pessimistas do fim do mundo" o americano Dani Rodrik, que é, por assim dizer, um amigo dos emergentes. Pois ele está dizendo que os emergentes, depois de terem sido empurrados montanha russa acima, estão na iminência da descida. E o Brasil está no primeiro banco. 
         O chamado mercado diz a mesma coisa a seu jeito: a bolsa brasileira foi a que mais caiu entre os emergentes, o risco Brasil subiu e o real desvalorizou. 
         O leitor e a leitora podem encontrar muitos outros exemplos pelo noticiário local e internacional. Perceberão que o número de pessimistas e caras de pau é crescente. E que, no exterior, a má vontade em relação ao Brasil é maior do que sugerem os fatos. 
         Na verdade, é exagerado dizer que o Brasil é o segundo pior dos emergentes, ficando apenas atrás da Turquia. A macroeconomia e a política mostram que o Brasil está menos vulnerável que Índia e África do Sul, para ficar nos Brics, e sequer se compara aos desastres de Argentina e Venezuela. 
         Mais importante: graças ao consistente arcabouço de macroeconomia construído desde a introdução do Real, o governo brasileiro tem instrumentos mais eficientes para agir e corrigir os desequilíbrios. O pessoal reconhece isso. Não está aí a má vontade. Está em outro lado: caras de pau e pessimistas desconfiam que Dilma, cuja administração enfraqueceu os fundamentos, não vai reconhecer erros e fazer mudanças. 
         Dentro do governo, alguns dizem que a presidente sabe que seu modelo não funcionou e vai mudar. Mas não vai reconhecer isso. 
         Aí fica difícil, não é mesmo? Política é confiança. Sem direção clara, o pessoal não embarca. Aliás, para Dilma, os críticos embarcaram, mas foi para o fim do mundo e "isso faz tempo". Parece que só ela está no começo dos tempos. Começo de que?

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