Por Mirian Leitão
Os venezuelanos ficam em enormes filas esperando para comprar óleo de cozinha. Depois, quando chega a vez de serem atendidos, a compra está limitada a duas latas por pessoa. Vivemos o mesmo e com o mesmo produto nos anos 1980. Mas o que realmente preocupa não é o desabastecimento de óleo e outros produtos, mas os flagrantes atentados do governo à liberdade.
A tragédia política e econômica da Venezuela tem sido longa. O que o Brasil deveria fazer, sendo líder da América do Sul, em respeito à tradição diplomática que tem, é defender os princípios e valores democráticos. Mas, consistentemente, no governo do PT, a diplomacia brasileira tem errado o tom, apoiado um dos lados em conflito na Venezuela e sancionado o comportamento autoritário do governo.
As notas que assinou, tanto do Mercosul quanto da Unasul, dão as condolências às famílias das vítimas, mas compram a versão do governo da Venezuela, que alega haver um golpe em marcha. A nota do Mercosul repudia "as ameaças de ruptura da ordem democrática legitimamente constituída pelo voto popular". Mas não deixa igualmente explícito o repúdio às ameaças à liberdade e democracia praticadas pelo governo.
A oposição errou ao tentar o golpe em 2002, mas isso não significa que todos os manifestantes que estão nas ruas são golpistas, ou que as marchas tenham o poder de destituir Maduro. Ontem, o líder Leopoldo López se entregou depois de discurso inflamado. A parte da oposição que é liderada por Henrique Capriles tem repudiado radicalismos. Além da crise econômica, os protestos têm outro motivo real: o aumento exponencial da violência desde o início do período Chávez.
Segundo o Itamaraty, nenhuma nota foi divulgada isoladamente pelo Brasil porque ele considera mais eficiente as notas coletivas. Ao fazer um texto conjunto, o Brasil tem que conciliar sua posição com a da Argentina, que tem adotado alguns dos métodos venezuelanos de combater a oposição, e até com a própria Venezuela, que é a presidente pro tempore do Mercosul. A nota do bloco foi divulgada pela chancelaria da Venezuela. Ou seja, é feita de encomenda para respaldar Maduro e não para defender a democracia como valor político do bloco.
Com o pretexto da crise econômica, o governo Nicolás Maduro está sufocando os jornais. O economista e colunista Pedro Palma, que não pode mais ser publicado na exígua edição de papel do "El Nacional", conversou com o blog na semana passada e disse que Maduro afirmou que "os dias da imprensa estavam contados". Os jornalistas fizeram uma marcha pedindo que as empresas tivessem acesso à licença para importação de papel e nem foram recebidos pelo governo.
Desde a época de Hugo Chávez, o governo tem formado, treinado e armado os colectivos, as milícias chavistas. O governo foi encurralando e tirando legitimidade de todas as instituições e ameaça qualquer oposição que se forma. Ao expulsar os funcionários consulares americanos, Maduro os acusou de estarem distribuindo "vistos" de entrada nos Estados Unidos. Parece mais um factoide desses que seu antecessor usava para distrair a atenção quando a situação política e econômica piorava.
A péssima administração da economia, que consegue entrar em crise mesmo com o petróleo a US$ 100, faz com que os venezuelanos estejam há muito tempo vivendo os efeitos de uma inflação acima de 30% ao ano com grave desabastecimento. A Venezuela é um país perdido num labirinto. Respaldar um governo que errou tanto há tanto tempo é tão arriscado quanto abraçar a oposição. Lá, é o caso de, à distância, defender princípios e valores democráticos e torcer por alguma saída que não aumente a violência nem aprofunde a crise no país.
Fonte: http://oglobo.globo.com
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