quarta-feira, 26 de maio de 2010

O Mico Atômico de Lula


O mico atômico de Lula em Teerã
Autor(es): Guilherme Fiuza
Época - 24/05/2010


O Oriente Médio nunca mais será o mesmo. Nunca mais será médio. Como tudo que Lula toca, daqui para a frente ali será o Oriente Extraordinário. O companheiro Ahmadinejad, com suas centrífugas extraordinárias e sua radioatividade do bem, inaugurou a lavagem de reputação mais barata da história.

A fórmula é simples. Basta um ex-operário mitológico, incensado pela intelectualidade decadente da grande mídia europeia e americana, para legalizar um estadista delinquente. O presidente do Irã não é levado a sério na comunidade internacional – exceto pelos problemas que pode causar. E agora que “o cara” assinou com ele um acordo nuclear, Ahmadinejad está mais à vontade para criar problemas.

Especialistas em diplomacia perdem seu tempo tentando decifrar o Brasil e o ziguezague de sua política externa bêbada. Quebram a cabeça para entender como Lula entrou na boca de fumo atômica e saiu de lá com uma nota fiscal. Estaria se iniciando uma nova era em que bandidos dão promissória?

Para quem acredita em promissória de bandido, o debate ainda vai render. Para quem acha que “A bela e a fera” é só conto de fadas, o jeito será começar a desconfiar da bela. E de seu círculo de assessores aloprados que sonham confrontar o império americano a golpes de fotografia – seja com legenda cubana, chavista, iraniana ou em qualquer idioma com sotaque de esquerda fundamentalista.




A nova ofensiva diplomática brasileira, vocalizada por Lulinha paz e urânio, partiu da seguinte tese: os países que já têm bomba atômica não têm moral para proibir o Irã de fazer a sua. É uma lógica impecável. Chega de privilégios para os ricos. Se tudo der certo, as iniquidades globais finalmente serão combatidas. O passo seguinte poderia ser, por exemplo, a liberação geral da poluição industrial no Terceiro Mundo, pelo menos até os padrões de lambança alcançados pelos Estados Unidos e pela Europa no século XX. Quem terá moral para proibir o sagrado direito dos pobres de emporcalhar o planeta também?

A brincadeira de inflar Lula como símbolo internacional
vai começar a perder a graça

A estridente aliança do Brasil com o obscurantismo iraniano não se deu da noite para o dia. Envolveu precedentes cuidadosamente calculados por Marco Aurélio Garcia, Celso Amorim e toda a junta de chanceleres de Lula, com a supervisão do imortal José Dirceu – desencarnado da vida pública, mas onipresente em mensagens espirituais e telefônicas. Antes da bênção nuclear, o Irã recebera do governo brasileiro um selo de qualidade para seu vale-tudo político.

Enquanto cavucava a anistia no Brasil, Lula anistiava a farra eleitoral da ditadura iraniana. Indiferente ao massacre à oposição nas ruas de Teerã, que protestava contra fraudes nas urnas, o presidente brasileiro legitimou à distância a eleição sangrenta. E, quando o mundo assistia ao vivo ao assassinato da jovem Neda numa passeata, Lula declarava que os confrontos eram só “briga de flamenguistas e vascaínos”.

Não se sabe se são os flamenguistas ou os vascaínos que cuidam das centrífugas clandestinas do Irã, nem quanto tempo eles ainda precisam para chegar à bomba atômica. Mas o mundo não tem nada com isso. Mahmoud Ahmadinejad já declarou que o que se passa nos porões radioativos de seu país é problema dele. E Lula, com seu acordo cosmético, assinou embaixo.

Serão necessários infinitos artigos panfletários de Michael Moore para convencer a comunidade internacional de que o presidente brasileiro não deu uma mancada histórica. É bem verdade que, na espuma cheirosa dos circuitos diplomáticos, cada vez mais o que existe de concreto são os banquetes e as fotografias. Se as nações dependessem de discursos como o de Celso Amorim em Teerã para se mover, o mundo seria um eterno feriado. Mas a brincadeira de inflar Lula como símbolo internacional, depois desse mico atômico, vai começar a perder a graça.

Naturalmente, a pantomima brasileira no Oriente Médio não teria – e não terá – a menor importância para o futuro da região. Mas pode deixar lições importantes. A principal delas: a mitificação é, sempre, véspera do autoritarismo. Forjar líderes maiores do que eles mesmos é caminho inexorável para a prepotência.

Lula brincou de fantoche com Manoel Zelaya e saiu ileso da trapalhada. Fez um estágio com Fidel e foi se meter com Ahmadinejad. É hora de voltar para o ABC.

Fonte: revista Época 24/05/10
Charges: Guto Cassiano e sponholz

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