sexta-feira, 1 de abril de 2011

Interferência política e indevida na Vale


As resistências à privatização da então Companhia Vale do Rio Doce foram muito fortes, o que reduziu o número de potenciais interessados na empresa. As resistências vinham mais de fora do âmbito da Vale, pois, mesmo como estatal, a companhia tinha internamente uma cultura preocupada com a produtividade.

Por suas características - uma mineradora com atuação em áreas carentes de infraestrutura e pouca presença dos poderes públicos -, a Vale estava sujeita a pressões dos governantes e políticos locais, o que poderia inviabilizar a gestão em mãos privadas.

O ex-presidente Sarney, já como senador pelo Amapá, mas ainda refletindo sua ligação com o Maranhão, chegara a dizer que a Vale não poderia ser privatizada, argumentando que a estatal era na verdade uma agência de desenvolvimento. Neste ambiente, a dificuldade de privatização acabou se refletindo na sua formação societária, que não se revelou satisfatória logo após o leilão de venda.

O governo acabou mantendo uma elevada participação indireta no capital da companhia (via BNDESPar), com a ajuda de fundos de pensão de estatais, e assegurou direito de veto em questões de extrema importância estratégica para o país. Mesmo com todos os obstáculos iniciais, a Vale se superou, sob comando de uma diretoria formada por profissionais gabaritados.

A empresa fez ousadas aquisições, multiplicou investimentos e soube aproveitar as oportunidades que apareceram, o que possivelmente não teria ocorrido se tivesse permanecido como estatal, pelas conhecidas amarras que restringem esse tipo de companhia. O resultado dessa mudança se traduziu em considerável aumento de valor de mercado da Vale, que, em dez anos, saltou de US$ 9,2 bilhões para US$ 176,3 bilhões.

A Vale hoje é a terceira maior empresa de mineração do planeta e disputa o primeiro lugar como principal exportadora brasileira. Seus investimentos em 2010 alcançaram US$ 19,4 bilhões. Nada disso foi suficiente para que o governo Lula deixasse de alimentar o desejo de "reestatizar" a Vale, embora sem ter o controle acionário da empresa.

Lula passou a manifestar o descontentamento em relação ao presidente da Vale, Roger Agnelli, criticando publicamente decisões da empresa, que nem por isso se desviou de seu rumo de crescimento, contribuindo muito mais que "uma agência de desenvolvimento" para a superação de problemas que o país enfrenta. Essas pressões não terminaram com o fim do mandato de Lula.

Como interlocutor do novo governo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, procurou o Bradesco, um dos sócios controladores da Vale, com o propósito de substituir Agnelli na presidência da companhia, executivo indicado pelo banco. Conseguiu. A iniciativa só se explica pelo desejo político do governo Dilma de interferir nos caminhos da ex-estatal, já que, como acionista, do ponto de vista econômico e financeiro, não teria motivo para tal.

Como empresa privada, a Vale emprega muito mais pessoas e recolhe bem mais impostos. Mas os atuais detentores do poder querem mais: desejam empregar apaniguados e apoiar projetos sem sustentação técnica (siderúrgicas, quando o mercado de aço está superofertado; compra de navios no mercado interno com elevado sobrepreço).

A operação de destituição de Agnelli aumenta a percepção de risco em associações com o governo. A sociedade pagará um preço, na forma de desincentivo a investimentos privados em grandes projetos

Fonte: O Globo

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