sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Algo mais além de anúncio de verbas


A tragédia na Região Serrana fluminense segue o roteiro clássico das catástrofes no Brasil. Enquanto transcorria, com enormes e compreensíveis dificuldades, a dura tarefa de resgate de corpos em regiões de Petrópolis, Teresópolis e Friburgo, começou o anúncio de liberação de cifras milionárias para atender desabrigados, financiar obras etc.

Nada contra. Tem de ser assim mesmo. Consumado o desastre, são necessários recursos públicos. Mas a história sempre se repete, e, quando vem a próxima enxurrada, constata-se que parte daquele dinheiro jamais chegou ao destino, ou que verbas carimbadas para projetos de prevenção foram desviadas pelo clientelismo político. Sequer ocorreram as devidas remoções de casas em terreno perigoso, muitas vezes por uma decisão inconsequente da Justiça.


O governo federal logo autorizou a liberação de R$780 milhões para Rio de Janeiro e São Paulo, também atingido pelas chuvas do início da semana. Vamos esperar um ano para saber quanto de fato terá financiado o socorro de vítimas, construção de residências em locais seguros e na recuperação e melhoria da infraestrutura.

Diante das promessas de verbas é preciso mesmo cautela. O retrospecto não anima, segundo levantamento feito pela ONG contas abertas no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do Governo.

Constam dos registros que, embora o Ministério da Integração Nacional tenha previsto, para 2010, um gasto de R$425 milhões no Programa de Prevenção e Preparação para Desastres, foram liberados apenas R$167,5 milhões, e mesmo assim com a inclusão de restos a pagar de anos anteriores - valores empenhados, mas não desembolsados. Havia até mesmo um repasse a ser feito de R$450 mil para obras de contenção na estrada Cuiabá - destruída agora pela enxurrada em Petrópolis - jamais liberado. Também para Nova Friburgo, outra cidade vítima das chuvas, estavam reservados R$21,7 milhões, destinados a "obras de pequeno vulto de macrodrenagem". O dinheiro nunca subiu a serra.

Mas não existe apenas má administração dos recursos, presos na armadilha da burocracia. Há também má-fé, politicagem, clientelismo deslavado. O exemplo mais recente e escandaloso desses desvios foi dado pela dupla de peemedebistas baianos Geddel Vieira e João Santana, ao passarem pelo Ministério da Integração. Para alimentar currais eleitorais com dinheiro do contribuinte, nas gestões deles a Bahia recebeu mais da metade dos recursos previstos para obras de prevenção.

Funciona, então, um círculo vicioso diabólico: a burocracia e/ou o clientelismo impedem investimentos para prevenir desastres. Eles, então, acontecem, e vêm as promessas de verbas de emergência, as quais quase sempre não são gastas como seria necessário. Deixa-se o terreno pronto para novas catástrofes, e tudo começa mais uma vez. E a estatística dos mortos e desabrigados só faz crescer.

Recém-empossada, a presidente Dilma Rousseff deveria reservar parte do expediente diário de trabalho para, a partir de agora, acompanhar o caminho do dinheiro que liberou.


Fonte: Conatas Abertas 14/01/2011
Charge: Nani

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