segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Um Ato de Rotina


Por Olavo de Carvalho - 6/1/2011

Definitivamente, ninguém na grande mídia, nos altos círculos da Itália ou dos EUA tem a menor ideia de quem é, de fato, Luís Inácio Lula da Silva.


Quem não sabia, com meses de antecedência, que o Sr. Luiz Inácio iria jogar o peso da sua autoridade de presidente numa última cartada espetacular em favor do terrorismo internacional? Quem não sabia que Cesare Battisti, ao fugir para o Brasil, escolhera o melhor lugar do mundo para tipos como ele, o abrigo infalível de terroristas e narcotraficantes?

"Quem não sabia?" Que pergunta mais idiota. Eu sabia, meus colegas e leitores do Diário do Comércio sabiam, a parcela ínfima da população brasileira que se mantém informada sabia e, é claro, a turma do Foro de São Paulo sabia. O resto da humanidade esperava de Lula outra atitude, simetricamente inversa, compatível com a imagem estereotipada de estadista sereno e pragmático que a mídia internacional forjou para torná-lo atraente aos investidores.

De toda parte, as reações indignadas ao gesto de solicitude paternal do nosso ex-presidente para com um notório terrorista e assassino vieram com a expressão de surpresa e desencanto do marido enganado que, até a véspera, confiava cegamente na esposa. Definitivamente, ninguém na grande mídia ou nos altos círculos da Itália, de qualquer outro país europeu ou dos EUA tem ou quer ter a menor ideia de quem é Luís Inácio Lula da Silva.

Sem a mais leve pretensão de infundir nas cabeças dessas criaturas um conhecimento que não desejam, do qual fogem como da peste, assinalo aqui alguns lances memoráveis do curriculum vitae do ex-presidente:

Ele teve como seu mentor espiritual, desde a juventude até a velhice, o ex-frade Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, colaborador fiel do governo de Fidel Castro e co-autor da Constituição Cubana. Jamais renegou o guru.

Logo após a queda da URSS, aderiu ao lema "reconquistar na América Latina o que perdemos no Leste Europeu" e para isso fundou em 1990 e presidiu por doze anos o Foro de São Paulo, coordenação estratégica do movimento comunista na América Latina, irmanando num plano estratégico abrangente partidos legais e organizações criminosas. Em comunicado oficial no 15º aniversário do Foro, as Farc, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, reconheceram que essa iniciativa salvara da extinção iminente o movimento comunista internacional.

Ao eleger-se presidente, fingiu afastar-se do Foro de São Paulo mas continuou extra-oficialmente no comando da entidade por meio do ministro Marco Aurélio Garcia e do assessor de imprensa Gilberto Carvalho.

Jurando não ter tido jamais qualquer contato com as Farc, presidiu assembléias do Foro ao lado de Manuel Marulanda, comandante da narcoguerrilha colombiana, e permitiu que membros do seu governo, junto com figuras estelares do seu partido, se associassem a Marulanda na direção da mais importante revista de debates internos do movimento comunista no continente, America Libre.

Durante seu governo, muitos concorrentes e dissidentes das Farc foram perseguidos e presos no Brasil, enquanto os agentes da organização operavam livremente no território nacional, não só distribuindo drogas, mas fornecendo armas e treinamento a quadrilhas de bandidos locais e aos militantes do MST, protegidos do governo.

assinatura de Dilma dando um e emprego oficial para a mulher de Medina - para aumentar clique na imagem





Quando o representante das Farc no país, Olivério Medina, foi preso pela Polícia Federal, o partido e o governo de Lula se mobilizaram para libertá-lo, dando-lhe, de quebra, a cidadania brasileira e emprego oficial para sua esposa no ministério então chefiado pela atual presidente da República, Dilma Rousseff (que negou envolvimento no caso até que sua assinatura no decreto de nomeação fosse publicada na imprensa).

O único militante farqueano que permaneceu preso no Brasil foi Juan Carlos Ramirez Abadia. Esta exceção explica-se porque o referido, agindo evidentemente à margem das Farc, se envolveu num plano para sequestrar o filho de Lula, Luís Cláudio.

O governo Lula sempre rejeitou o pedido colombiano de aplicar às Farc o qualificativo oficial de "organização terrorista", propondo, ao contrário, que a quadrilha de narcotraficantes fosse premiada por seus crimes mediante a anistia geral e a transmutação da coisa em partido político legal.

Em dois discursos oficiais, publicados no site da Presidência da República mas jamais noticiados por qualquer órgão de mídia no Brasil, ele confessou a interferência direta do Foro e de São Paulo e dele próprio na política interna da Venezuela e de outros países, para colocar e manter no poder tipos como Hugo Chávez, Morales e tutti quanti.

É verdade que, no campo econômico, Lula se comportou direitinho e fez tudo quanto o Banco Mundial mandou. Mas só agiria de outro modo se fosse louco. Se o próprio Lenin fez o diabo para acalmar e seduzir os investidores internacionais enquanto consolidava o poder interno dos comunistas na Rússia, por que haveria Lula de entrar em guerra com o capitalismo planetário enquanto ia discretamente ajudando a entregar aos agentes do Foro de São Paulo o controle de várias nações latino-americanas?

A tática da dupla face funcionou tão bem que, numa mesma semana, ele foi homenageado pelo Foro Econômico de Davos por sua adesão ao capitalismo e no Foro de São Paulo por sua fidelidade ao comunismo.

Os que agora explodem de cólera ante a proteção que ele deu a Cesare Battisti só conhecem, decerto, a primeira face. Por isso vêem nessa decisão obscena uma exceção repentina, incoerente, inexplicável. Quem conhece a segunda entende que foi um ato de rotina, o último de uma longa série. Incoerência é uma coisa, duplicidade é outra.

Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia
Fonte: Blog Dois em Cena
Charge: Sponholz

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