Por Clarice Pires Pacheco*
Começo este texto parafraseando o colega médico Dr. Carlos Brickman, quando ele diz que toda esta polemização sobre a vinda dos médicos cubanos para o Brasil não é absolutamente uma questão de nacionalidade, até porque um dos maiores médicos do Brasil foi um ucraniano chamado Noel Nutels, que levou a saúde pública às áreas indígenas da Amazônia.
A questão é outra: o que acontece é que o governo brasileiro criou um grande problema para si, ao simplesmente achar que Saúde é igual à Medicina. E não é: a Medicina é a última etapa na luta pela Saúde de um povo.
A saúde começa pelo saneamento básico; pela vacinação correta de crianças, adultos e idosos; por uma educação sadia; uma alimentação suficiente e moradia saudável.Essas coisas fazem milagres na saúde física e mental de qualquer um.
Contudo, se um indivíduo, com acesso a um saneamento básico, alimentação, moradia e vacinação adequadas, ficar doente, aí, sim, entra em campo a Medicina para cumprir seu insubstituível papel na busca da cura dos seres humanos.
Nós, médicos, que lidamos diariamente com o resultado negativo de todas estas coisas, vemos como imprescindível, muito mais do que trazer médicos para cobrir áreas desguarnecidas de atendimento médico, dar à população e aos profissionais de saúde, os ingredientes básicos para que a saúde seja mantida e para que se possa fazer, em sendo necessário, um trabalho de cura, digno do que espera e merece cada cidadão brasileiro.
Assim, quando a medicina brasileira rejeita a proposta de importação de médicos cubanos, ela nada tem contra a vinda desses colegas, especificamente... mas vai contra a falta de uma carreira profissional digna (como ainda não tem o médico brasileiro), contra a não validação dos diplomas, conforme determina o MEC, para estrangeiros e médicos brasileiros que estudaram fora do País, e a falta de condições decentes de trabalho. E, também, porque neste acordo com o governo cubano, o governo brasileiro lança mão de "mentiras heroicas" ou coberturas falsas para encobrir os graves problemas de planejamento e gerenciamento, pelos quais passa a saúde dos brasileiros.
Quando a classe médica esbraveja, ela não o faz como um ato arbitrário, mas como um "nós não aguentamos mais tanta indignidade" e tanta corrupção.
Temos no nosso meio e tenho trabalhado ao longo de minha vida com colegas de muitos países. Quando da realização de meu mestrado na Universidade de São Paulo( USP) esta convivência internacional se acentuou ainda mais com excelente crescimento para todos. Até porque nos valemos tantas vezes dos conhecimentos desses colegas estrangeiros para nossas tomadas de conduta médica diária.
Neste momento dramático por que passa a medicina brasileira, o que chama a atenção é a imposição de um governo que pouco se preocupa com a legislação do País, burlando o que já está determinado e impondo "goela abaixo" seus ditames aleatórios.
Quando o governo não quis ouvir "os de casa", e com eles estabelecer ações prioritárias para a saúde, ele se impôs com um autoritarismo que beira a uma ditadura política.
O que ele realmente ganhará com isso, é a pergunta que se impõe? Qual é o seu lucro imediato? Ou em longo prazo? Entretanto, uma coisa em tudo isso, de certa forma, trouxe-me uma dose de alegria...
Com tudo o que vem fazendo, o governo despertou uma massa que dormia há muito tempo e que despertada anda se agitando e promovendo mudanças interessantes...
Vejo a classe médica não mais alienada em si mesma, mas se politizando, ainda que "na marra", por conta das circunstâncias... Ela se organiza como povo!! E reage como ele vem fazendo!! E acho isso fantástico!!
Em resumo, acredito que toda esta revolta das classes médicas contra a importação dos colegas cubanos não é contra os mesmos, absolutamente, mesmo porque acreditamos nas suas boas intenções e imaginamos as suas necessidades pessoais, e cremos em sua luta para fazer medicina em um país com dificuldades as mais variadas, conforme temos tido notícias pela mídia e outros.
Acredito mesmo que este é um grito final de uma classe, um desabafo, contra todas as atitudes de um governo onde a corrupção, a impunidade, a falta de diálogo, os desmandos constantes, a falta de investimento em educação, saúde e segurança geraram ao longo do tempo desânimo, cansaço, falta de fé, intranquilidade. E trazer médicos ou qualquer outro tipo de profissional faltante apenas para tapar furos, sem que a população tenha condições adequadas de vida, não vai mudar estas coisas...
A propósito e em tempo: sem seringas, termômetro, um medidor de pressão, um medidor de glicemia, remédios essenciais, o que é que se deve esperar de um médico? Milagres?
Não! este não é e nunca foi o nosso departamento... Esta ação ainda é uma atividade exclusiva de Deus, mas tomar uma atitude é algo que todos nós podemos fazer!! Em paz e com sabedoria sempre, claro!!
E ter fé...! Acho que também uma boa dose disso é o que todos nós andamos precisando tomar!!
(*Médica pediatra e dermatologista infantil, auditora médica da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina , professora da Faculdade D. Bosco e mestra em saúde pública pela Universidade de São Paulo-USP)
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